Artigo Escrito por Sirlei Bittarello
Você confia nas fotos que vê nas notícias? Um único clique pode definir a percepção de uma guerra, humanizar uma tragédia ou celebrar uma conquista histórica. A fotografia jornalística é um dos pilares da nossa compreensão do mundo. Mas, em uma era onde mudar a realidade está a poucos cliques de distância, a confiança nessa ferramenta essencial vive uma crise. A questão hoje não é se a fotografia pode mentir, mas como nós, público e profissional, podemos navegar em um oceano de imagens para encontrar a verdade.

A Linha Tênue: Onde o Tratamento Vira Manipulação
Com a revolução digital, o laboratório fotográfico foi substituído por softwares de edição . É crucial entender a diferença ética fundamental entre “tratar” e “manipular” uma imagem .
- Tratamento: São ajustes técnicos para melhorar a qualidade da imagem, como corrigir cores, brilho, contraste ou fazer pequenos recortes de enquadramento . Esse processo é legítimo e necessário na maioria dos casos.
- Manipulação: É a alteração do conteúdo da fotografia de forma a enganar o leitor . Isso inclui adicionar fumaça para dramatizar um incêndio , apagar pessoas de uma cena ou criar montagens sem avisar o público .
Quando a edição deixa de ser uma correção e passa a ser uma fabricação, o pacto de confiança com o leitor é quebrado.
Quando a Realidade é Fabricada: Casos Reais e a Perda de Confiança
A ameaça não é apenas teórica. Casos de fraude, como o incêndio no Hospital das Clínicas, onde a mesma foto foi vendida a jornais diferentes por dois “autores” , abalam a alteração da profissão por dentro. Além disso, a utilização crescente de imagens feitas por “cidadãos repórteres” levanta uma bandeira amarela: esses colaboradores, sem a formação e o compromisso ético de um jornalista, podem facilmente alterar suas fotos em busca de notoriedade .
Outro fantasma da era digital é a fragilidade da memória. Arquivos digitais são apagados com um clique para “liberar espaço”, um risco que não existia com os aspectos financeiros negativos . Corremos o perigo de ter um século XXI com menos registros visuais confiáveis do que os séculos XIX e XX .
O Caminho da Integridade: O Guia do Fotojornalista Responsável

Em meio a esse cenário desafiador, o fotojornalista profissional não está perdido. Ele é guiado por um conjunto claro de regras éticas e legais que funcionam como uma bússola.
- O Código de Ética: O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros é explícito ao condenar a exclusão da realidade e o uso de imagens para fins sensacionalistas . É o principal guia moral da profissão.
- Direitos e Deveres Legais: O profissional deve conhecer a lei. O Direito do Autor (Lei 9.610/98) garante o crédito e a integridade de sua obra . Ao mesmo tempo, ele deve respeitar o Direito de Imagem da pessoa fotografada, que é um direito constitucional . O cuidado com a imagem de crianças e adolescentes, protegido pela ECA, é inegociável .
Na última análise, o fotojornalismo é um exercício de escolhas. Escolher o melhor ângulo, a luz correta e, principalmente, a abordagem ética. Em um mundo inundado pela desinformação, o trabalho do fotojornalista íntegro torna-se um ato de resistência, garantindo que, por trás de cada imagem, exista um compromisso fundamental com a verdade.